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No Mundo dos Mortos – O dia seguinte

Deixem-nos dormir!

– Vá, acorda… Mel, estás a ouvir? Vamos… acorda! Parece que estás morta… – diz Alice, que abana a amiga. Mel continua adormecida e não faz nenhum movimento que indicie que vai acordar. – O que é que se passa contigo? Acorda!

– Queres parar com esses gritos?! – diz Pipa, pendurada na cama de cima do beliche – São sete da manhã e está toda a gente a dormir… O que é que se passa contigo? Vocês ontem chegaram tardíssimo, mal me contaram o que é que se passou e agora não deixas a Mel dormir? Deixa-a descansar, se faz favor!

Alice olha à sua volta e confirma que a maioria das raparigas continua deitada. Uma francesa franze o sobrolho e resmunga, atirando uma almofada à rapariga portuguesa que se desvia rapidamente para não ser atingida. A almofada cai no chão, ao lado do beliche de Mel e Pipa.

– Desculpa, tens razão… – murmura Alice, largando a amiga e subindo as escadas para a cama de cima, ficando debruçada no beliche e continuando a falar baixinho. – Como te disse ontem quando chegámos, encontrámos a Mel num cemitério…

– Sim, já sei isso! Mas como é que ela foi lá parar?

– Não se lembra… – responde, baixando os olhos. Alice não gosta de mentir, mas está fora de questão contar a Pipa o que verdadeiramente se passou. «Aliás, ela nem ia acreditar e só começaria a gozar ainda mais connosco… ‘Olha os totós que têm a mania que são deuses!’, era o mínimo que a Pipa diria de nós…», pensa Alice.

– Quando a minha mãe souber nunca mais vai deixar a Mel andar contigo! Foste uma irresponsável por teres perdido a minha irmã! – continua Pipa, com um ar zangado.

– Pipa, por favor, não contes nada à tua mãe! E eu não perdi a Mel! – diz Alice, levantando um pouco a voz.  – Se soubesses o que eu sofri, o que a Mel sofreu, não contarias nada!

– Ai, conto, conto! Foi uma grande estupidez da tua parte, da vossa parte! – acrescenta Pipa, observando Alice. «Está cheia de medo do que eu possa fazer! É bom ter este poder sobre estas palermas!», pensa Pipa satisfeita com o ar aflito da amiga da irmã.

– OK, tens razão. Deves contar à tua mãe o que se passou. Os pais devem saber… O que se passou foi que a Mel perdeu o sentido de orientação e achou que o colégio era para aquele lado. Acabou por se perder. Provavelmente ficou tão assustada que é por isso que não se lembra de mais nada… – responde Alice, que continua debruçada na cama de Pipa.

A rapariga mais velha não estava à espera que Alice concordasse com a ideia de contar à mãe o que se passara e, por momentos, fica confusa. Mas depressa retoma o ataque.

– E ficou uma noite fora? Melhor! Praticamente duas noites fora?! Não, não… Essa história está muito mal contada…

– Pipa, tem calma e fala baixo! – pede Alice – Não te esqueças que fomos jantar com os rapazes à pousada onde eles estão a dormir! Lembra-te que ontem não tínhamos rede para usar os telemóveis, como é que conseguíamos avisar-te?

– Está bem… Não vou dizer nada a ninguém, só ia preocupar a minha mãe… Depois falo com ela quando chegar a Portugal e… aí sim, a tua amizade com a Mel vai acabar! Por isso, aproveita bem estes últimos dias! – reage Pipa, tapando a cabeça com o edredão, de maneira a que Alice não veja o seu sorriso de satisfação.

Alice fica desconcertada e desce as escadas devagar. Quando espreita para a cama debaixo, vê que Mel está acordada e, pelo ar sério com que a enfrenta, terá ouvido parte da conversa. Alice deita-se ao pé da amiga, por cima das cobertas.

– A Pipa é mesmo parva… Não lhe ligues! Provavelmente quando regressarmos já se esqueceu de tudo e não vai dizer nada à mãe. Ela é a mais velha e é responsável por mim, portanto, a mãe também pode ralhar com ela… – diz Mel, em voz baixa.

Na cama de cima, Pipa ouve tudo e pensa furiosa: «A miúda tem razão… O melhor é eu ficar caladinha, não vá sobrar para mim… Que sorte têm estas miúdas! Estão sempre a safar-se!»

– Vamos ter com os rapazes?  ­– pergunta Alice.

– Vamos! Mas primeiro temos de tomar o pequeno-almoço! Estou esfomeada! Acho que do que eu vou ter mais saudades de Inglaterra é dos pequenos-almoços! Adoro comer bacon e ovos! – responde Mel, lambendo os lábios, empurrando Alice para fora da cama e atirando a roupa para trás, de maneira a conseguir levantar-se.

Alice é surpreendida pelo gesto da amiga e cai no chão. Não se magoa, mas a queda é ruidosa, pois a rapariga vai de encontro a uma cadeira que também cai com força.

Shut up! Porque no están en silencio?! Tais toi! Caluda!

As raparigas ouvem o pedido para estarem caladas em várias línguas. Alice e Mel começam a rir-se baixinho e vestem-se rapidamente para saírem do dormitório. Mal fecham a porta, dão uma gargalhada forte.

– Comemos e depois vamos ter com os rapazes! – diz Alice, dando a mão à amiga e arrancando pelo corredor em direção ao refeitório.